Palavras-chave: Gerador síncrono, curva de saturação a vazio, curva a vazio de geradores síncronos, máquina síncrona, reta do entreferro, saturação magnética.
Resumo
Este artigo propõem o estudo da curva de saturação a vazio de geradores síncronos, utilizando um software em linguagem Delphi. O traçado da curva de saturação a vazio, agregando a reta de entreferro, são etapas trabalhosas no dimensionamento teórico de uma máquina síncrona. A repetitividade dos cálculos da simulação precisa ser feita de zero a tensão final desejada, sendo preciso levar em consideração cada trecho do circuito magnético com seu comportamento peculiar. A ferramenta apresentada, permite o cálculo do circuito magnético ponto a ponto, seguindo o incremento de tensão nos bornes da máquina.
1- Introdução
O desenvolvimento de ferramentas computacionais no estudo, projeto e na interpretação das máquinas [2], de qualquer natureza, é um recurso fundamental a tempos e indispensável, seja na escola ou na fábrica. As possibilidades da simulação das máquinas, na busca da otimização mecânica ou elétrica, agregam não só a confiabilidade do que se está projetando, mas a tão desejada busca da redução dos custos dos materiais e tempo de serviço, ou passagem pela linha de produção. Modernos softwares técnicos consagrados no mercado destinados a engenharia elétrica, civil e mecânica, permitem que se observe determinado projeto com imagens realistas em 3D, simulação de esforções e pesos, comportamentos em situações transitórias e extremos de operação. No entanto, para dados tipos de projeto, ainda estamos carentes de softwares específicos, destinados ao estudo de máquinas como nesse caso particular das máquinas síncronos. Se sabe que existem recursos computacionais muito refinados, no entanto seu acesso é restrito e indisponível fora das empresas. Temos encontrado inúmeros trabalhos referentes a este assunto, mas assim como este, todos tratam de determinado tema específico, seja estudo do comportamento em determinadas situações de funcionamento ou traçado de curvas “V”, ou diagramas de capacidade. Então, ajudando a incrementar este universo de estudos, apresentamos este artigo com o intuito de ser mais um recurso para o estudo de máquinas síncronos e suas características.
2- A Máquina Síncrona
Para o perfeito entendimento do que se espera de uma curva de saturação a vazio, ou simplesmente curva a vazio, precisamos entender o que representa uma máquina síncrona. Neste artigo, trataremos especificamente esse tipo de máquina mas com um olhar sobre ela em seu comportamento funcionando como gerador síncrono. O gerador síncrono está muito difundido em nosso dia-a-dia, sendo possível encontra-lo em pequenas versões para uso doméstico de 500W até as gigantescas máquinas de centenas de MVA das grandes usinas hidrelétricas, térmicas ou eólicas. A palavra síncrona, provém de sincronismo que existe entre o giro do rotor e o giro do campo girante formado no estator. Este sincronismo obriga que a frequência de saída do gerador apresente um valor direto com a rotação da máquina, ou seja, a frequência de saída está amarrada ao giro mecânico do rotor. Convencionalmente, uma máquina síncrona é de acordo como representado no corte do croqui da figura 1, onde representamos o gerador sem as bobinas estatóricas.
Figura 1 – Máquina síncrona convencional
Neste arranjo, o estator que compõem-se do aço-silício e do bobinado estatórico, é fixo e acomodado sobre uma carcaça de aço. Os pólos que compõem o conjunto rotatório, formado pelos pólos, anel, magnético e eixo, que é suportado pelos mancais e acoplado a máquina primária. Nas ranhuras estatóricas do aço-silício, são instaladas convenientemente, as bobinas estatóricas, formado por cobre eletrolítico de alta pureza, em barras ou fios redondos, dependendo da potência, com uma espira ou várias, dependendo da tensão, isolado com material e quantidade adequada para cada classe de isolação e nível de tensão elétrico. Cada pólo do rotor recebe uma bobina, formado por cobre eletrolítico isolado em barras ou fio redondo, dependendo da potência e classe de isolação, cuja função é fornecer o campo magnético necessário para o acoplamento com o campo magnético girante formado pela circulação de corrente nas bobinas do estator. Estas bobinas polares recebem o nome de bobinas de excitação e são alimentadas por corrente contínua que chega nelas através de um conjunto de escovas e anéis de excitação montado no eixo [1]. O número de pólos de uma máquina síncrona é sempre par e a alternância do fluxo magnético é sempre Norte-Sul entre os pólos. A figura 2 permite observar o sentido de circulação do fluxo magnético através dessa alternância. Quando as bobinas dos pólos estão devidamente excitados pela corrente contínua, é estabelecido um fluxo magnético nos pólos que encontra caminho pelo aço-silício do estator, fechando o circuito magnético. O rotor ao girar dentro desse estator, arrasta o fluxo magnético no sentido de giro, o fluxo passa a cortar as bobinas do estator, induzindo uma FMM na fase correspondente dessas bobinas. Como o processo é mecânico, ou seja, a velocidade de corte do fluxo magnético obedece a velocidade de giro do rotor, temos uma frequência nos bornes de estator que corresponde a esta velocidade giro.
Figura 2 – Sentido de giro do rotor e do fluxo magnético
Quando o gerador é de imãs permanentes, os pólos recebem imãs devidamente projetados e fabricadas para fornecer o fluxo magnético necessário, dispensando as bobinas polares. Modernamente existem grandes máquinas síncronas fabricadas com poderosos imãs de neodímio. Estes imãs permitiram se conseguir fabricar máquinas com dimensões semelhantes, para uma mesma potência, ou até menores que os tradicionais. Diferente do que acontece com imãs de ferrite, cujo poder magnético é muito menor. Com imãs de neodímio ainda, pode-se fazer rotores com grande número de pólos com apenas um imã, como o representando na figura 3, onde vemos o rotor de um protótipo de gerador com apenas um imã.
Figura 3 – Rotor multipolos com único imã (Hidroenergia)
3- O Circuito Magnético
Após descrição da máquina síncrona, passamos a descrever o circuito magnético de um gerador, objeto desse artigo, de onde se retira as grandezas para a implantação do cálculo que fornecerá dados para o traçado da curva. O circuito magnético apresentado é genérico, podendo ser aplicada a geradoras síncronos de qualquer número de pólos, inclusive, pode ser aproveitada para a determinação dos componentes de geradores de imãs permanentes. A partir da figura 2, faremos um corte em uma máquina, mostrando o percurso médio das linhas de força do campo magnético e ilustramos na figura 4.
Figura 4 – Comprimento médio das linhas de força
Neste circuito será trabalhado nessa ordem: LC é o comprimento médio da coroa estatórica; EF é o comprimente do entreferro; LD é o comprimento do dente estatórico; LE é o comprimento da expansão polar; LP é o comprimento do núcleo polar; EFp é o comprimento do entreferro entre o anel magnético e o núcleo polar; LA é o comprimento médio do anel magnético. Vale ressaltar que o comprimento de EFp somente é válido para máquinas que possuem polos postiços. Para rotores com pólos inteiriços ao anel magnético, este valor é zero. Neste circuito, ainda, deve ser observado a existência das linhas de força que se formam entre um pólo e outro. A dispersão magnética. Ela existe em todo o circuito magnético, tanto nos pólos como no estator. Na figura 5 representamos a forma mais aproximada do caminho das linhas em um pequeno trecho. Estas linhas buscam naturalmente o caminho de menor resistência, seguindo na sua maioria para ao estator através dos dentes estatóricos [3]. É importante considerar a existência desses campos dispersos. Seu cálculo leva em consideração, entre outros fotores, a geometria do arranjo mecânico da máquina. A dispersão, assim como fator de cárter determinado em função da ranhura estatórica, rotórica e entreferro, são coeficientes adicionas ao fluxo magnético e como o fluxo circula por todo o circuito, ele provoca modificações nos valores das grandezas de todos os itens.
Figura 5 – Linhas dispersas
No entanto, é importante frisar que este artigo vai trabalhar no traçada a da curva a vazio de um gerador síncrono. Este fato obriga que se determine a dispersão polar, mas não necessariamente, a dispersão do estator (nas cabeceiras das bobinas estatóricas, nos dentes estatóricos e nas ranhuras). Estas dispersões influem na reatância da máquina, como a reatância síncrona e seu valor precisa ser conhecido para o traçado das características do gerador em carga. Assim, para a dispersão polar, adota-se:
4- Etapas Simuladas do Circuito Magnético
O circuito está dividido em 7 etapas individuais, de acordo com o circuito magnético da figura 4. Após a predeterminação dos dimensionas do gerador [4], lança-se mão do estudo por partes. Cada parte apresentará sua indução em Gauss e a solicitação dos Ae da excitação correspondente para dada tensão. No final, teremos uma tabela que pode ter quantos pontos simulados forem precisos e se faz o traçado da curva Indução x Ae e sobre esta, a determinação da reta do entreferro. A avaliação das grandezas resultantes permite verificar o estado de saturação de cada trecho. A incoerência dos valores obriga nova simulação, sempre após a intervenção no projeto básico, com a modificação do trecho não conforme, que vai desde a variação do diâmetro, disposição e dimensional de pólos (que influenciará também na dispersão polar visto antes), quantidade de aço-silício, ranhuras, canais de ventilação, etc.
4.1 – Carcaça Estatórica: é o trecho que fica atrás dos dentes estatóricos. De acordo com a figura 2, apenas 50% do fluxo percorre este trecho. A indução ficará:
4.2 – Entreferro: o entreferro é um dos pontos críticos da máquina. Seu dimensional, além de outros, tem grande influência na excitação e nos parâmetros de reatâncias. No momento, interessa a indução e os Ae necessários:
4.3 – Dentes Estatóricos: os dentes estatóricos são simulados pela área que está a 1/3 de sua altura [4]:
4.4 – Expansão Polar: componente que fica sobre o núcleo polar e tem função de distribuir o fluxo magnético e servir de apoio para a bobina polar. Sua construção tem influência sobre a forma de onda de saída da máquina [3]:
4.5 – Núcleo Polar: componente sobre o qual se instala a bobina de excitação:
4.6 – Entreferro entre Núcleo Polar e Anel Magnético: este entreferro tem influência sobre a intensidade da corrente de excitação e sobre o coeficiente de saturação do gerador [4]. Seu valor deverá ser tomado a partir do projeto da máquina. É um valor pequeno sendo sempre na ordem de alguns décimos de milímetro:
4.7 – Anel Magnético: componente que faz a ligação magnético do fluxo e tem função de fazer a fixação dos pólos:
As etapas calculadas para cada ponto de incremento de tensão foram dispostas na forma da tabela 1, facilitando a visualização dos itens:
Tabela 1
A referência de indução de cada trecho está representada na tabela 2 [4] em Gauss, podendo os valores sofrerem variações, desde que não extrapole os limites máximos indicados:
Tabela 2
O trecho 4.2, entreferro, tem sua indução definida mais em função da capacidade do circuito de excitação e das reatâncias solicitadas [4]. O trecho 4.6, não consta na tabela pois sua indução é considerada igual ao do núcleo polar. O trecho 4.7, anel magnético, tem sua indução definida mais em função dos esforços mecânicos (em situação transitória e centrífugos) [4].
5- Implantação Prática
Após estudo dos itens envolvidos no circuito magnético do gerador, passamos a descrever a implantação de uma rotina de cálculo do software em linguagem Delphi. Carregando os dados de entrada e as fórmulas descritas no programa. Executamos uma rotina de repetitividade para 0 a 120% da tensão de fase (e do fluxo) de projeto da máquina, obtendo uma ampla faixa de simulação para o circuito magnético.
Esta faixa contempla valores suficientes para extração de dados para aplicações diversas, como coeficiente de saturação, reta do entreferro, operação em sub e sobretensão, etc. Após a simulação, o software traça a curva dos valores de tensão x Ae da tabela 1. Na figura 6, vemos uma curva a vazio 1 de um gerador de 6,68MVA, 4.16KV e 400RPM:
Figura 6 – Curva a vazio 1
Na curva da figura 6, os valores de indução foram equiparados com os fornecidos na tabela 2. Para esta mesma máquina, foi reduzido a área útil para passagem do fluxo magnético nos dentes estatóricos (aumentada a largura da ranhura), resultando cerca de 19100 Gauss, um valor acima da tabela 2. O resultado foi a curva a vazio 2 da figura 7:
Figura 7 – Curva a vazio 2
Observa-se o acentuamento da curva, denunciando o aumento do coeficiente de saturação. Também, o aumento dos Ae solicitados da excitação. Este coeficiente de saturação pode ser definido graficamente na curva [5] ou sendo a relação entre os Ae total do circuito magnético no ponto escolhido e os Ae dos entreferros [4]. Aplicando este conceito na figura 6 resulto um coeficiente de saturação nominal de 1,1 e na figura 7 de 1,23. Na curva 8, o software foi alimentado com os dados que geraram a curva 6, mas agora a área da carcaça estatórica foi diminuída para dar uma indução de 18200G, bem acima da tabela 2. Temos a curva a vazio 3 da figura 8:
Figura 8 – Curva a vazio 3
O coeficiente de saturação nominal resultou em 1,36. O valor está bem acima dos anteriores, refletido na inclinação mais acentuada da curva. A reta do entreferro foi implantada utilizando-se a linearidade da curva a vazio através de dois pontos, um na origem e outro dentro da linearidade. O resultado para a simulação da situação feita na figura 6, está representada na figura 9.
Figura 9 – Reta do entreferro em verde
Como incremento ao trabalho, foi feita uma simulação prática em um gerador síncrono cujos dados estão abaixo. O gerador da figura 10 foi desmontado e retirado seus dimensionais para alimentar o software.
Dados originais da máquina:
Fabricante = Toshiba SA;
Horizontal (estacionário diesel);
Potencia = 975KVA;
Tensão = 480VAC, 60 Hz;
Rotação = 1200RPM;
Ligação = Y (com neutro acessível);
Pólos = 6 pólos, 210 espiras;
Data de fabricação = 1980;
Figura 10 – Gerador pronto para ensaio prático (Hidroenergia)
A curva a vazio do ensaio prático está representada na figura 11:
Figura 11 – Curva a vazio (em azul) levantada no ensaio e reta do entreferro (em vermelho)
Obtemos uma corrente de excitação de 16,2A na tensão nominal de 480V (277V de fase). Isto corresponde a 3402Ae (16,2A * 210 espiras) nessa condição. A seguir, na figura 12, a curva da simulação feita pelo software objeto desse artigo:
Figura 12 – Simulação do gerador Toshiba
A tensão nominal de fase 277V, correspondeu a 3650Ae. Este valor, considerando o número de espiras dos pólos de 210, daria 17,4A de corrente de excitação para tensão nominal a vazio. O valor medido foi de 16,2A, uma diferença de 7,4%.
6- Conclusão
A Ferramenta desenvolvida mostrou ser capaz de fazer a simulação de todos os itens do circuito magnético de um gerador síncrono. Os resultados obtidos servem de base para o dimensionamento físico correto dos trechos por onde circula o fluxo magnético. A partir de um pré-projeto qualquer de uma determinada máquina, para um determinada potência e rotação, passa-se a alimentar o software, cujos resultados de saída permitem ajustes até a obtenção dos valores desejados no projeto ou referenciadas como nos da tabela 2. A sugestão que fica é a de trabalhar melhor alguns parâmetros como (1) e (3), adotando métodos mais precisos na determinação da dispersão e do fator de cárter, cujo valor é influenciado também pelas ranhuras formadas pelas barras amortecedoras da expansão polar [4], não considerado aqui. Também, os valores determinado por (6), cujos termos e , se aplicados com uma metodologia mais correta [4], resultam na determinação mais precisa da indução final do entreferro, que corresponde grandemente pelos Ae calculados. O refinamento vai diminuir o erro final que se observou no teste prático. De uma maneira geral, o software teve resultados satisfatórios, as grandezas envolvidas no circuito magnético se interligaram e se complementaram, demonstrando coerência nos dados de saída obtido nesse trabalho, reforçado pelo teste prático comparativo realizado um uma máquina real. Este é um primeiro passo no dimensionamento de um gerador síncrono, o software pode ser agora ampliado com a implantação da simulação em carga, reatâncias, constante de tempo, relações de curto circuito, aquecimento, etc.
Referências
[1] Kostenko, M; Piotrovski, L. “Máquinas Eléctricas”. Moscou. 1979.
[2] Curvas de Capacidade e Dinâmica de Geradores Síncronos; DINCON’10, 9th Brazilian Conference on Dynamics and their applications, Serra Negra/SP 2010;
[3] Königslöw, A. von; “Máquinas de Corrente Alternada Sincrónicas”. Escola Técnica de Mittweida. 1945.
[4] Abramov, A. H; “Projeto e Construção de Hidrogeradores”. Moscou. 1964.
[5] Jordão, Rubens Guedes. “Máquinas Síncronas”. LTC/EDU. SP. 1980.
Faça o download deste post inserindo seu e-mail abaixo
0 comentários